segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

AVATAR





















Não é arbitrário que eu considere Avatar insuficiente e não o considero assim por tomar de ponta o cinema dito “mainstream” norte-americano (ou seja, os filmes saídos do ventre da poderosa máquina dos estúdios norte-americanos - lide Hollywood - em oposição ao cinema independente americano e em forte contraste com o cinema europeu e os fenómenos Bollywood e Nollywood).

É precisamente por ser um seguidor entusiasta do cinema de aventura e entretenimento com o qual etiqueto Avatar (definitivamente mais próximo na forma de um Indiana Jones do que de um Star Trek), que o questiono por ser exigente com esse formato - não destacando um cinema de autor em detrimento de um cinema de massas. É exigência e não purismo, pois seria absurdo apelar a uma pureza num género que se resume em não se resumir.


A primeira metade do filme começa bem - somos levados até ao universo luminoso e hostil do planeta Pandora através da personagem central de Jake Sully, um marine paraplégico que é integrado no projecto Avatar. Avatar (do sânscrito para descida - encarnação e divindade) é o programa iniciado pela equipa de cientistas terrestres para interagir plenamente com a raça autóctone humanóide dos Na´vi - pois a atmosfera do planeta é tóxica e os próprios Na'vi são além de avessos a interferências exteriores também fisicamente bastante diferentes dos intrusos humanos. É criado um corpo híbrido - o avatar - combinando material genético terrestre e Na´vi que serve de veículo para que os cientistas estudem o planeta mais tranquilamente, mediante a transferência de consciência do humano e a sua perfeita fusão com o seu hospedeiro avatar (o que permite que Sully seja plenamente funcional). A descrição de Pandora como paraíso habitado por uma raça mística em comunhão com a natureza é entrecortada com a crescente ameaça militar por parte dos colonos terrestres ávidos pelo precioso mineral unobtainium, do qual infelizmente um dos maiores depósitos repousa no subsolo da morada ancestral da tribo Na´vi retratada no filme.

A tensão que se vai estabelecendo entre a pesquisa pacífica interessada e o da mineração comercial interesseira (suportada na máquina de guerra terrestre) e a relação destes dois poderes antagónicos com os Na´vi é o esqueleto de um filme que se pode assumir como libelo ecológico e de clivagem cultural. A situação que se degrada rapidamente entre um povo mais avançado (terrestre) e outro considerado de arcaico (Na´vi) assume contornos de colagem ao que aconteceu entre os povos nativos americanos e os europeus (é óbvia a reminiscência que encontramos nos Na´vi com os povos ameríndios desde a linguagem ao folclore e ao seu equilíbrio com a fauna e flora de Pandora). Além desta referência genérica Cameron baseou-se em diversas outras - segundo suas próprias palavras - que o acompanharam na infância e juventude. Tal imaginário é explícito com exemplos facilmente identificáveis como Dune (Na´vi como Fremen, Spice Melange como unobtainium, Pandora como Dune...) e as sagas Starwars e Senhor dos Anéis, entre outras. A avidez mercantil dos colonos terrestres é também equiparável à da viciosa Company da saga Alien - à qual Cameron muito acrescentou.


Esta recolecção do realizador não oprime o filme e é um contributo até necessário para uma identificação mais imediata da audiência com a atmosfera própria de Avatar. Até porque um filme será sempre uma combinação da cultura cinematográfica daqueles que o antecederam. Temos então uma epopeia ecológica capaz, sustentada numa história e ambiência interessantes e com características bastantes para divertir (e até deslumbrar) o espectador. O filme podia ser eloquente, mas não é. Começa perfeitamente, baseado em premissas atractivas e os factores que poderiam ser castradores do género (como a falta de profundidade das personagens e o recurso desenfreado à tecnologia) só lhe acrescentam e não fatigam.


Porquê então o considerá-lo insuficiente? É precisamente a partir do momento em que a personagem Sully se assume como messiânico salvador e protector dos Na´vi que se deixa tudo a perder. O factor Rambo enfastia assim como também a busca identitária por um super-homem invencível e extraordinário. A demanda do ícone é a queda do filme e o que o faz embrulhar-se sobre si próprio sem uma resolução inteligente. A Ripley de Alien sofreu escoriações e até Indiana tinha dias não - mas Sully ocupa com facilidade o lugar de semi-deus entre os Na´vi. Um filme que poderia ser muito acaba por ser menos do que poderia ser ao ser trapalhão com a evolução da sua improvável personagem central. Cameron poderia ter escolhido enveredar por uma construção psicológica e relacional ao estilo de anti-herói mas decidiu atribuir-lhe mais de simpatia e de divino (e com alguma imbecilidade à mistura) num misto de Costner de Dança com Lobos, Stallone de Rambo III e de Pata-Jaguar de Apocalypto. E isso contribui para uma segunda metade do filme que deixa o sabor a insatisfação.


Apesar de tudo mantém-se a sugestão para que o vejam - mesmo que seja considerado como de qualidade (final e global) inferior. E ao verem-no, vejam-no em 3D - a experiência será duradoura. 


frase :: James Cameron e (a sua caixa de) Pandora
classificação :: 2  

Leiam a crítica na Revista Take n21 em http://take.com.pt

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